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CRÓNICA DO CAMPO 2024

É terça-feira de manhã, está um sol abrasador e não há nuvens à vista, anuncia-se um dia quente. À porta da estação de Cascais podemos observar um grupo de rapazes a reunir-se. Alguns deles ainda não sabem o que lhes espera, outros sabem perfeitamente e querem ansiosamente que comece a Rota. As mães despedem-se com uma lágrima no canto do olho e prometem orações pelos seus filhos. Quando os voltarem a ver alguma coisa terá mudado. A adolescência é uma época crucial da vida. É nessa altura que se forja o carácter, é nessa altura que se fixa o nosso ideal e é nessa altura que os rapazes se tornam homens. É um tempo de mudança e é importante que essa mudança seja para melhor. As batinas dos seminaristas mostram que quem lidera não tem medo do calor.

          Os bravos começam a sua marcha em direcção à Serra de Sintra. A primeira etapa do percurso é significativa daquilo que a Rota opera nos rapazes. Deixamos para trás Cascais, cidade de luxo, de barulho, de lazer e de prazer e rumamos em direcção à Serra, lugar inóspito, agreste, isolado e silencioso. Trocamos a praia pela montanha e passamos do nível do mar, cá em baixo, para os picos da Serra, lá em cima. A Rota obriga a rapaziada a um certo desapego. Os confortos do lar e a tecnologia cosmopolita são substituídos pela aspereza e beleza da natureza. A Rota é suposto ser um tempo de ascensão espiritual e por isso começámos com uma bruta subida em direcção à Serra. O calor prometido foi cumprido, mas a meio da subida fomos presenteados com um mergulho na Albufeira do Ribeiro da Mula.

          Já nos séculos passados os monges ermitas tinham escolhido a Serra para se afastarem do mundo e se dedicarem a Deus. No encalço dos nossos antepassados lá seguimos os trilhos da Serra e bebendo da sabedoria dos antigos fomos até aos picos em busca de ar puro e silêncio para rezar. Depois de atravessarmos a Serra chegámos até ao Penedo, local onde os bravos pernoitaram a primeira noite.

          No segundo dia conquistámos o Cabo da Roca, o ponto mais a Oeste da Europa, o sítio onde a terra acaba e o mar começa. Vislumbrar o imenso Oceano Atlântico põe-nos imediatamente em comunhão com a história portuguesa dos Descobrimentos. Sentados nas falésias a contemplar o mar, os rapazes fizeram meia hora de oração. Talvez tenham contemplado a paisagem e tenham passado da imensidão do mar à imensidão de Deus: a beleza da criação reflete a beleza do Criador. Assim como a beleza de uma obra manifesta a qualidade do artista. Se algum proveito os rapazes tiraram da Rota foi a possibilidade de largar o artificial pelo natural. Ver uma paisagem num ecrã é uma coisa, mas sentir o vento na cara, o sol na pele e o cheiro a maresia contemplando um mar sem fim é outra! Passear na Serra e à beira do mar é uma experiência sem comparação com o ar pesado dos apartamentos citadinos em que os rapazes perdem o tempo no sofá, anestesiados da realidade e a perder o tempo precioso da juventude que não volta com experiências mais virtuais do que reais.

          A Rota de São Nuno é um campo itinerante. Este modelo original de campo de férias não é por acaso. Há uma pedagogia da caminhada, há uma pedagogia da Rota. Durante a caminhada os rapazes são obrigados a falar uns com os outros, a fazer amizades cristãs. Na caminhada os rapazes têm a possibilidade de provar a sua bravura. Têm de se entreajudar e de se auto-superar (fisicamente e moralmente). A caminhada, sobretudo depois de vários quilómetros, obriga os rapazes a treinarem a vontade e a fazerem continuamente uma escolha entre desistir ou avançar, os rapazes são convidados a fazerem triunfar o espírito sobre o corpo, a vontade sobre a sensibilidade. A Rota forja o carácter. Quando mais tarde – nas tribulações da vida - for preciso estudar, trabalhar ou sofrer, os rapazes sabem que este triunfo da vontade sobre os sentimentos é possível, aliás, com a ajuda de Deus nada é impossível! A vida é como uma caminhada, uma caminhada para o Céu, com as suas dificuldades e alegrias. A Rota é uma metáfora daquilo que é a nossa vida. Fazer uma Rota é saber que podemos chegar ao Céu, é treinar a vontade a cooperar com a graça e a triunfar sobre o mal e o pecado para chegar ao Céu.

          Mais um dia se levanta em Sintra. Arrumar as tendas, assistir à Santa Missa, tomar o pequeno-almoço e lá estamos nós de volta à estrada… Os dias na rota parecem ter o dobro do tempo e as actividades multiplicam-se: visitar o convento dos Capuchos, ter catequeses, jogar, rezar, subir ao Monte Rodel, trepar calhaus, nadar no lago da casa da família Real, serões a rimar e a cantar à volta do fogo. Sintra é uma pérola da Pátria. A partir desta Rota os bravos podem dizer, com assertividade, que conhecem esta pérola como a palma da mão. Visitámos os grandes monumentos deste sítio e conquistámos os castelos e palácios.

          Da Rota ficam sempre boas memórias: as catequeses à volta da fogueira, o percurso do combatente, a noite de tropa, a Missa dominical na pitoresca capela de São Lourenço nas Azenhas do Mar, os sermões, as conversas, os tempos de oração e as paisagens.

Percorrendo as falésias desde as Azenhas até à praia da Samarra os bravos puderam encher o seu imaginário épico, falésias, desfiladeiros, praias desertas, trilhos perdidos e o mar até perder de vista. A banhoca “ressuscitou” os rapazes e deu-lhes as forças para voltar ao Penedo. Neste dia com mais de 30 quilómetros ainda houve tempo para uma prova de coragem nocturna. Coragem… essa virtude perdida que é tão necessário reencontrar, entre os dois abismos da moleza e da temeridade encontra-se o pico da virtude da coragem. Na Rota, além do Pico da Peninha ou dos Píncaros Novos, o pico da Coragem também foi alcançado.

O último dia da Rota foi pontuado por dois eventos especiais: a Cerimónia do Treck e a Missa final. A cerimónia do Treck consiste num reconhecimento público das virtudes dos cavaleiros de São Nuno que se destacaram durante a Rota – pela sua exemplaridade e iniciativa - e que merecem uma recompensa e uma responsabilidade. De agora em diante os treckados devem comportar-se como verdadeiros discípulos de São Nuno: servir com honra, fidelidade e alegria Deus e os seus irmãos; ser bom cristão e amar a Deus acima de todas as coisas; ser um bom filho e obedecer aos pais; ser santo e oferecer a sua vida pela Fé e pela Pátria. A Missa final foi ao mesmo tempo um fim e um princípio, um fim de uma Rota inolvidável e o princípio de uma vida nova, uma vida com Cristo recebido na Eucaristia e que deve continuar ao longo do ano.

Lá em cima, ao pé da Igreja do Penedo, os rapazes podiam vislumbrar a Serra e a Várzea de Sintra, podiam ver o Cabo da Roca e a imensa costa portuguesa. Tudo o que estava à vista era nosso! Até onde podia ir o alcance  do nosso olhar, os pés já lá tinham estado; e um sentimento de orgulho e felicidade preenchia o coração dos jovens cavaleiros que tinham cumprindo a sua Rota e começavam agora a sua Missão: serem discípulos de Cristo na família, na escola e junto dos amigos.

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